Freud chegou a considerar Carl Jung o seu substituto e herdeiro do movimento psicanalítico, chamando-o de "meu sucessor e príncipe coroado" (apud McGuirie, 1974, p. 218). Depois do rompimento da amizade entre os dois, em 1914, Jung desenvolveu a *psicologia analítica, em oposição a grande parte do trabalho de Freud.
A Biografia de Jung
Talentoso Yodeler - cantor à moda dos montanheses suíços e tiroleses, Jung foi criado em um vilarejo no nordeste da Suíça, próximo a famosa queda do Reno. Ele próprio foi responsável por sua infância solitária, isolada e infeliz (Jung, 1961). Seu pai, religioso que aparentemente teria perdido a fé, era irascível e rabugento. Sua mãe sofria de distúrbios emocionais, exibindo um comportamento excêntrico, passando em um instante de uma esposa feliz para uma mulher endemoniada e incoerente, falando coisas sem nenhum sentido. Um biógrafo chegou a comentar que "todo o lado da família materna parecia apresentar traços de insanidade" (Ellenberger, 1978. p. 149). Jung aprendeu desde cedo a não confiar nem acreditar nos pais, por analogia, a desconfiar do resto do mundo. Saía do universo consciente da razão para mergulhar no dos seus sonhos, visões e fantasias, ou seja, no seu inconsciente. Esse tipo de fuga dirigiu a sua infância, e assim seguiu até a vida adulta.
Nos momentos difíceis, Jung resolvia os problemas e tomava decisões baseado no que o inconsciente lhe dizia por meio dos sonhos. Quando estava para ingressar na universidade, um sonho revelou-lhe a carreira que seguiria. Ele se viu desenterrando ossadas de animais pré-históricos em um local bem abaixo da superfície terrestre. Interpretou como sendo um sinal de que ele devia estudar algo relacionado à natureza e à ciência. Uma lembrança que teve dos três anos de idade, quando sonhou estar em uma caverna subterrânea, previa seu futuro como estudioso da personalidade. Jung viria a dedicar-se ao estudo das forças inconscientes enterradas bem abaixo da superfície da mente.
Jung frequentou a University of Basel, na Suíça, formando-se em medicina, e, 1900. Estava interessado em psiquiatria e sua primeira indicação profissional foi para trabalhar em um hospital de doentes mentais em Zourique. O diretor do hospital era Eugen Bleuler, um psiquiatra famoso por seu trabalho sobre a esquizofrenia. Em 1905, Jung foi indicado para ser o professor de psiquiatria na University of Zurich, mas demitiu-se vários anos depois para dedicar-se a escrever, pesquisar e atender pacientes particulares.
No atendimento aos pacientes, diferentemente de Freud, Jung não pedia que seus pacientes deitassem no divã, comentando que não era seu desejo colocá-los na cama. Jung e o paciente sentavam-se em confortáveis poltronas, um de frente para o outro. Às vezes ele realizava as sessões de terapia a bordo do seu barco a vela, aproveitando o vento forte do lago, velejando feliz. Algumas vezes chegava até a cantar para seus pacientes. No entanto, outras vezes, chegava a ser deliberadamente rude. Nessas ocasiões, quando um paciente chegava para a consulta, Jung dizia: "Ah, não! Não aguento ver mais ninguém. Vá para casa e cure-se sozinho, hoje" (apud Brome, 1981, p. 185).
Jung interessou-se pelo trabalho de Freud, em 1900, quando leu The interpretation of dreams, considerando-o uma obra prima. Por volta de 1906, os dois começaram a se corresponder e, um ano depois, Jung viajou para Viena a fim de visitar Freud. O primeiro encontro dos dois durou 13 horas, um início bem animado para o que viria a se tornar uma relação íntima como a de pai e filho (Freud era quase 20 anos mais velho que Jung).
A proximidade entre os dois pode ter envolvido elementos do complexo de Édipo, como propõe a teoria psicanalítica de Freud, com o desejo do filho de destruir o pai. Outro fator complicador, que pode ter prejudicado a relação desde o início, foi uma experiência sexual vivida por Jung aos 18 anos.Um amigo da família, que ele via como uma figura paterna,teria assediado Jung sexualmente, que o teria repelido e imediatamente rompido a relação.Anos depois, quando Freud tentou assegurar que Jung daria continuidade ao movimento psicanalítico como ele previra, Jung rebelou-se contra o encargo, talvez sentindo novamente estar sendo dominado por um homem mais velho. Em ambos os casos, Jung ficara decepcionado com a sua escolha de figura paterna. Talvez por causa do primeiro incidente Jung não conseguisse manter a íntima relação emocional desejada por Freud (Alexander, 1994; Elms, 1994).
Ao contrário da maioria dos discípulos da psicanálise, Jung já construíra uma reputação profissional antes de associar-se a Freud. Era o mais conhecido entre os primeiros adeptos da psicanálise. Por isso, talvez ele fosse menos sujeito a se impressionar e sugestionar do que os jovens analistas membros da família psicanalítica de Freud, muitos dos quais ainda cursavam a escola de medicina ou a pós- graduação e eram indecisos em relação à identidade profissional.
Embora durante algum tempo Jung se identificasse como discípulo de Freud, jamais deixou de expressar sua opinião. No início da relação entre os dois, tentou dirimir dúvidas e expressar suas objeções. Enquanto escrevia a obra The psycology of the unconscious (1912), comentou que estava enfrentando um problema, já que, quando o livro fosse lançado, a apresentação pública da sua posição significativamente diferente da psicanálise ortodoxa prejudicaria seu prestígio junto a Freud. Durante meses, Jung não conseguiu levar adiante seu projeto, tamanha a preocupação com a provável reação Freud. Evidentemente, acabou publicando o livro, e o inevitável aconteceu.
Em 911, por insistência de Freud, e apesar da oposição dos membros vienenses, Jung tornou-se o primeiro presidente da Associação Psicanalítica Internacional. Freud acreditava que o anti-semitismo impediria o crescimento da psicanálise se o presidente do grupo fosse judeu.Os analistas vienenses, quase todos judeus, ressentiram-se e desconfiavam do jovem suíço Jung, que claramente era favorito de Freud. Esses analistas não apenas estavam a mais tempo no movimento, como também acreditavam que Jung tivesse visões anti-semíticas. Pouco tempo depois, a amizade entre Jung e Freud começou a exibir sinais de tensão e, por volta de 1912, os deixaram de se corresponder. Em 1914, Jung renunciou e deixou a Associação.
Aos 38 anos, Jung fora acometido de problemas emocionais profundos que persistiram por três anos; Freud passara por um período de turbulência semelhante mais ou menos na mesma etapa da vida. Acreditando que estava ficando louco, Jung sentia-se incapaz de realizar qualquer tipo de trabalho intelectual ou até mesmo ler um livro científico. Pensou em suicídio e mantinha uma arma ao lado da cama "caso sentisse que havia chegado ao ponto sem retorno" (Noll, 1994, p. 207). É interessante observar que, mesmo durante essa crise, ele não deixou de atender seus pacientes.
Resolveu o seu dilema basicamente da mesma maneira que Freud, confrontando a sua mente inconsciente. Embora não analisasse constantemente seus sonhos, como fazia Freud, Jung seguiu os impulsos inconscientes neles revelados, bem como nas suas fantasias. Assim como acorreu com Freud, esse período foi de intensa criatividade para Jung, levando-o a formular a sua teoria da personalidade.
O interesse por mitologia o incentivou a realizar expedições de campo na África, na década de 1920, para estudar os processos cognitivos do indivíduo pré-alfabetizado. Em 1932, foi indicado para lecionar na Federal Polytechnical University, em Zurique, onde permaneceu por dez anos até que a fragilidade da sua saúde o obrigou a pedir demissão. Uma cadeira de psicologia médica foi criada para ele na University of Basel, na Suíça, mas a doença não lhe permitiu manter essa posição por mais de um ano. Durante grande parte da vida até os 86 anos, trabalhou ativamente, pesquisando e escrevendo, tendo publicado uma quantidade impressionante de livros.
*Psicologia analítica: teoria de Jung sobre a personalidade.