Os Amantes, de René Magritte - Crítica à Modernidade Líquida
Notem, apesar do quadro mostrar um casal se beijando, o beijo, a relação firmada, é interrompida (até mesmo evitada, pode-se dizer) pelos sacos na cabeça de cada amante. São amantes líquidos. Amantes que não querem o obstáculo do outro para obstruir seus rios tão ávidos por movimento.
Em nossa sociedade dita pós-moderna, todos os entraves que possam, de alguma forma, interromper a maneira individual de se gozar a vida, precisam ser evitados. A insegurança em não entender a complexidade do outro e a incapacidade de, simplesmente, não destruir sua alteridade, a descartando como refugo da sociabilidade, favorece às formas superficiais de relacionamento, onde o termo conexão é muito bem colocado por Bauman, afinal, nada mais fácil e livre de qualquer culpa e responsabilidade do que se desconectar – quebrar um laço já frágil.
Essa é a pura desordem. É assim, então, que raciocínios de auto-valorização exacerbada são considerados normais e até incentivados à reprodução – um famoso é o “já me dei muito mal ajudando os outros, hoje eu penso em mim, depois vejo se sobra algo pros outros”.
A falta da visão, do olfato e até mesmo do contato entre a boca (simbolizando a real ausência de um relacionamento) não anula um beijo, mas permite que ambos estejam livres para experimentar o máximo de não bocas que puderem (em nossa sociedade hedonista/consumista, gozar é imperativo, gozar é superego), quando a qualidade é diminuta, a quantidade tenta tomar o espaço que sobra. A barreira entre a relação permite esta ser substituída pela conexão e, mais importante, pela desconexão, quantas vezes for o desejo.
Fonte:http://lounge.obviousmag.org/hepatopatia_cronica/2012/02/os-amantes-de-rene-magritte---critica-a-modernidade-liquida.html