Luto
Entrevista cedida pela psicóloga Estela Noronha para a Rit TV
O LUTO É UM PROCESSO QUE OCORRE IMEDIATAMENTE APÓS A MORTE DE ALGUÉM QUE AMAMOS. NÃO É UM SENTIMENTO ÚNICO, MAS SIM UM CONJUNTO DE SENTIMENTOS E EMOÇÕES QUE REQUER UM TEMPO PARA SEREM DIGERIDOS E RESOLVIDOS E QUE NÃO PODE SER APRESSADO, CADA UM DE NÓS TEM UM "TEMPO EMOCIONAL" QUE DEVE SER RESPEITADO. APESAR DE SERMOS INDIVÍDUOS COM CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS, A FORMA COMO VIVENCIAMOS O LUTO É MUITO SEMELHANTE NA MAIORIA. PARA TRATAR DESTE ASSUNTO CONTAREMOS COM A PRESENÇA DA PSICOLOGA ESTELA NORONHA QUE VAI ESCLARECER AS NOSSAS DÚVIDAS.
1) QUANDO O INDIVÍDUO ESTÁ EM PROCESSO DE LUTO RECEBE UMA ENXURRADA DE EMOÇÕES. INICIALMENTE COMO LIDAR COM O LUTO ASSIM QUE ELE ACONTECE?
Psicóloga: Vivendo o luto, não há outra forma. Segundo estudiosos do luto há 05 fases no processo da aceitação da morte e da vivência do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e finalmente, a aceitação ou a conciliação. Segundo Kluber-Ross, autora de vários livros sobre o tema, esses estágios não são necessariamente subsequentes um do outro e podem ser vividos ao mesmo tempo.
Jung, psicólogo de base analítica já dizia: não há despertar da consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando ao limite do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Mas, ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim ao se conscientizar da escuridão. Aqui no caso, ao se conscientizar do luto, da perda e da necessidade de reestruturar a vida a partir de um novo contexto, que é a aceitação da ausência de um ente querido. Não há como passar pelo processo de luto sem se conscientizar da dor da perda.
2) UM DOS SENTIMENTOS MAIS RECORRENTES É A CULPA, COMO LIDAR COM ELA?
Psicóloga: A culpa segundo a filosofia dos nossos tempos é uma herança cultural herdada dos gregos e incorporada á cultura cristã ocidental (por conveniência teológica). Uma boa forma de se lidar com ela é conhecer sua origem. Se pensada e aceita como algo próprio da condição humana, e entendida como algo constituinte de nossas experiências as quais não escapa humano algum, ela por si já estará minimizada. No entanto, pode haver um segundo sofrimento: a dor da culpa autoinfringida. Ela nasce da interpretação que fazemos do nosso sofrimento primário ao trata-lo como algo injusto e imerecido – (autocompaixão, por exemplo). Ao proceder assim, atribuímos a nós mesmos a RESPONSABILIDADE por culpas e dores inevitáveis, como se fôssemos os CAUSADORES das infelicidades “naturais” que sobre nós se abatem. Desta forma, o que torna o sofrimento da culpa e da dor insuportável, doentio e “apequenador”, não é a culpa e as perdas que contem, mas a interpretação que fazemos dessa culpa e dessas perdas. Do sofrimento da culpa e da dor, enquanto parcela da vida, não nos podemos “curar”, mas podemos libertar-nos de crenças doentias sobre o sofrimento, do sofrimento como má consciência, como sublimação, como desvalorização da experiência humana ou da vida. A culpa, neste instante e para a humanidade ainda é parte integrante de cada ser. A questão é como se conviver com ela. Temos a chance e os recursos para entendê-la (de forma genérica pela filosofia e de forma particular pela psicologia).
3) APÓS A DOR DA PERDA, COMO VOLTAR A ROTINA E COMO SE REESTABELECER?
Psicóloga: Através da superação e aceitação do fato ocorrido, não há outro caminho. Mas, superar não é esquecer. Significa aceitar e continuar a viver. A superação só se dá a partir de um longo processo e ela não significa esquecer, fingir que não aconteceu ou ainda não sentir dor quando lembrar. Segundo Maria Helena Franco coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, da PUC-SP, a literatura específica diz que o trabalho de luto, o tempo que a maioria das pessoas levam para lidar com a ausência do ente falecido, gira em torno de um a dois anos. Minha experiência demonstra que uma boa maneira de reestabelecer a rotina é trabalhando. Porque o trabalho impede a pessoa render-se a paralisia, ao desanimo e principalmente, a não justificar o fracasso pela ausência do ente querido. Mas, cuidado para não se enganar! Há pessoas que se entregam de uma forma tão profunda a rotina estafante de trabalho, que na verdade ela acaba por adiar e não viver o tempo do luto, tão necessário para superá-lo. Já tive um cliente “wokaholic” que julgava ter superado a perda do filho, quando na verdade ele sequer conseguia refletir sobre a perda. O trabalho deve entrar nesse contexto como uma tarefa que auxilia a pessoa a continuar a rotina de a sua vida, não como simples evitação da tomada da consciência da dor. Cada um demonstra a dor a seu modo. Retomar a sua vida não significa, necessariamente, que a pessoa já tenha superado, ma sim que ela continua a viver. O trabalho, bem dosado é uma forma de continuar a viver.
4)PARA AS CRIANÇAS: COMO LIDAR COM A ESCOLA E COM A DOR DA PERCA EM UMA FASE TÃO PREMATURA?
Psicóloga: O luto para crianças, embora não possam compreender o significado da morte antes dos três ou quatro anos, eles podem sentir a perda de parentes próximos da mesma forma que os adultos, podem chorar e sentir uma grande angústia. Porém, em crianças, diferentemente dos adultos, as fases do luto podem transcorrer mais rapidamente. Em idade escolar as crianças podem experimentar o sentimento da culpa mais intensamente, podem se sentir responsáveis pela morte de um parente próximo e, dessa forma, necessitar de uma atenção mais especial.
Os jovens podem não falar ou se queixar de sua dor, com medo de adicionar sofrimentos adicionais aos adultos à sua volta. Assim, um apelo especial se faz sobre o sofrimento das crianças e adolescentes e de suas necessidades diante do luto. Em geral a recomendação psicológica é para que escolares e adolescentes devam ser naturalmente incluídos na cerimônia funeral.
5)QUANDO O LUTO PASSA A SE TORNAR UM PROBLEMA?
Psicóloga: Geralmente, as pessoas que me procuram devido ao luto, estão presas a um estado prolongado de sofrimento. Ou seja, sofrendo por no mínimo um a dois anos, ou ainda, preso numa das 04 fases no processo da aceitação da morte, que são: a negação, a raiva, a barganha e a depressão. Porque apesar dessas fases serem importantes no processo de luto, elas ainda demonstram uma ligação com um passado difícil de superar. Em outras palavras, torna-se um problema, quando a pessoa não entra na fase final do luto, chamada de aceitação ou conciliação que é, resumidamente, desapegar-se da pessoa que morreu e iniciar um novo tempo de vida. É importante ressaltar que na fase de reconciliação o sentimento de perda não desaparece completamente, mas ele é atenuado e as crises de pesar, antes intensas, tornam-se menos frequentes e mais suaves. À medida que o enlutado começa a integrar-se a vida novamente, emerge a esperança de continuar a viver. É possível perceber que, embora a pessoa que morreu jamais virá a ser esquecida, a vida pode e deve continuar a ser vivida.
6) Como a sociedade se comporta em relação ao luto?
Psicóloga: Numa cultura hedonista, da busca do prazer pelo prazer, as pessoas enlutadas são encorajadas pela sociedade e pela impaciência da nossa cultura, a deixar para trás a experiência do luto. Como resultado, temos duas situações: ou o enlutado vive seu processo em silêncio e solitariamente, devido a pressão social ou força-se a abandona-lo, antes de ter completado o ciclo do luto. Aqueles que permanecem expressando tristeza por um determinado tempo, ou mesmo demonstram seu sofrimento através do choro são considerados fracos e inconvenientes. Amigos e familiares, bem-intencionados, porém desinformados e inconformados com esse estado de espírito, tentam fazer com que o enlutado desenvolva autocontrole, através da sublimação da dor. Supõem que essa seja socialmente a atitude mais adequada. A pressão social acaba, infelizmente, por alimentar a repressão emocional do enlutado. Para enfrentar essa pressão o enlutado passa a apresentar comportamentos socialmente aceitáveis que contrariam sua necessidade psicológica. Mascarar ou fugir do luto causa ansiedade, confusão e depressão. Se a pessoa enlutada receber pouco ou nenhum reconhecimento social para sua dor, poderá temer julgamentos sociais, ou ainda, julgar que seus pensamentos e sentimentos sejam anormais, o que nem sempre ocorre. Já atendi pacientes com largos sorrisos no rosto, mas profundamente deprimidos. Nesse momento pode-se acentuar a depressão, e o perigo está na permanência prolongada desse estado. A depressão é uma vilã da vida que tira o enlutado das atividades rotineiras como trabalho, convívio social, saúde, lazer e prazer em viver. Por isso, não nos deixemos levar para cultura hedonista pura e simplesmente. A dor é para ser vivida, entendida e o mais importante, superada, jamais ignorada ou negligenciada.
7) QUANDO PROCURAR UM PSICÓLOGO?
Psicóloga: O luto vira o mundo da pessoa de cabeça para baixo e é uma das experiências mais dolorosas. Apesar disto, é uma parte da vida que todas as pessoas estão fadadas e geralmente não requer atenção profissional. A depressão pode fazer parte do processo. O perigo desse estágio é o tempo de permanência contínua e o agravamento do quadro depressivo. Em pessoas com depressão prolongada ou com antecedentes de transtorno afetivo ou do humor, recomenda-se ajuda terapêutica. O psicólogo é um profissional capacitado que não irá ignorar a sua dor, apressar sua recuperação a qualquer custo, nem julgá-lo. Tive um paciente com ótima recuperação quando se permitiu em sessão terapêutica, pela 1ª vez, expressar toda a sua raiva e sua angústia, caindo num choro compulsivo. Ali se iniciou um belo processo terapêutico de conciliação dele com a sua história. Essa é a função do psicólogo: estar ao seu lado para auxiliá-lo a passar adequadamente por todas as fases do luto, mas sempre respeitando o ritmo de cada SER. Um bom profissional ajudará o enlutado a ter senso de confiança e energia renovado, ajudará a desenvolver habilidade para reconhecer totalmente a realidade da morte e a capacidade de se tornar envolvido novamente. O enlutado poderá reconhecer que, embora difícil, a dor e o pesar são partes necessárias do viver. No entanto, a dor sentida vai deixar de ser onipresente e aguda, para se transformar em um sentimento de perda que pode ser reconhecido e com significados e propósitos renovados, pois quando o enlutado começa a mergulhar no trabalho do luto, ele irá se reconciliar com ele. Por fim, o psicólogo ajudará aquele que sofre a ter compreensão intelectual, mas, sobretudo elaborar aspectos emocionais e por que não dizer, também espirituais. Ou seja: além de entender na mente, o psicólogo ajudará a entender no coração uma verdade inequívoca: que o ente querido morreu.
8- Como os amigos e os parentes devem se comportar com uma pessoa enlutada?
Psicóloga: Em todos os casos que atendi, é unanimidade que ajudar um enlutado não é dizer frase do tipo: “bola pra frente”, “a vida continua”, “logo, logo você esquece e parte pra outra”. Geralmente essas são palavras banais causam muita irritabilidade para a pessoa que está sofrendo. Porque se interpreta que o outro é incapaz de entender o tamanho da sua dor. Mas, familiares e amigos podem ajudar não tanto pelas palavras de conforto, muitas vezes mal colocadas, mas sim com a presença solidária durante o tempo de sua dor e de sua angústia. Bem como podem oferecer-se para ajudar na manutenção da rotina doméstica. Um ombro amigo, compreensivo e mesmo silencioso expressará grande apoio quando as palavras não são suficientes. É importante dar para as pessoas tempo suficiente para se lamentarem, não apressem o ritmo do enlutado, não ignore sua dor, apenas seja um ombro amigo e presente.
A dor é suportável quando conseguimos
acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos
que ela não existe.´
Allá Bozarth-Campbell
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