sexta-feira, 1 de março de 2013

Loucura X Normalidade.


                      Loucura X Normalidade.

"A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal."(Raul Seixas).

O que é loucura?

O Grito (1893) -  Edvard Munch

A sociedade insiste em dividir as pessoas em dois grandes grupos: loucos e normais. Mas qual seria a gradação entre normalidade e loucura? Os tradicionais conceitos de normalidade / loucura costumam ser fechados, superficiais, utópicos e estigmatizantes.

Muitas vezes, para se submeter ao conceito de normalidade, o sujeito precisa abrir mão de sua porção racional. Sim, pois não raramente pensar é considerado insano ao incitar o questionamento.

Nos termos do dicionário Houaiss, loucura é “um distúrbio da mente do indivíduo que o afasta de seus métodos habituais de pensar, sentir e agir”.

Da referida definição poderíamos inferir que quando o sujeito se afasta de sua verdadeira essência, abrindo mão de ser quem realmente é para ser simplesmente aceito, sentindo-se parte integrante de um meio social que impõe regras ditatoriais de comportamento com a exigência clara de que abra mão de refletir (!), está louco. Mas esse, para a sociedade, é o sujeito “normal”.

Até agora manifestei apenas minha opinião pessoal acerca de normalidadeversus loucura. Mas deixemos minha visão filosófica e voltemos, agora, nosso olhar para a psicopatologia, ciência que estuda o adoecimento mental. Sim, pois é muito comum a associação pejorativa do doente mental ao termo “louco”.

  Auto retrato com a Orelha Cortada (1889) - Vincent van Gogh.

O conceito de normalidade em psicopatologia está atrelado a saúde mental, mas também apresenta-se repleto de controvérsias. São vários os conceitos utilizados para definir normalidade em psicopatologia, conforme bem enumera Dalgalarrondo (2008). Vejamos:

1. normalidade como ausência de doença. De acordo com esse conceito, quem não possui uma enfermidade mental, seria saudável. Temos aqui um conceito fechado e falho, fincado numa definição negativa (ausência da doença);

2. normalidade como sinônimo de bem estar. Este conceito é da OMS (1946), mas guarda alto grau de utopia, pois para ser saudável o sujeito precisa apresentar bem estar completo: físico, mental e social. Percebe-se que poucos se enquadrariam nesse conceito;

3. normalidade estatística. Aqui a normalidade teria um conceito de fenômeno quantitativo. O normal passa a ser aquilo que se observa com mais freqüência, o que torna esse conceito bastante questionável, pois nem tudo que é raro é patológico;

4. normalidade funcional. Aqui o fenômeno não é quantitativo e sim funcional, ou seja, sempre que é disfuncional e produz sofrimento ao sujeito, o fenômeno é patológico;

5. normalidade como um processo. Aqui se consideram processos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e reestruturações ao longo do tempo;

6. normalidade subjetiva. Aqui a ênfase é dada na percepção subjetiva do próprio sujeito em relação ao seu estado de saúde. Esse critério é questionado, pois muitos sentem-se bem e se consideram saudáveis, mesmo estando doentes;

7. normalidade como liberdade. Este conceito vem da fenomenologia existencial, onde os autores consideram que a doença mental seria decorrência da perda de liberdade existencial. O adoecimento mental seria o constrangimento do ser, o fechamento das possibilidades existenciais;

8. normalidade operacional. Este é um conceito arbitrário, onde se define previamente o que é normal e patológico, trabalhando-se operacionalmente com tais conceitos.

Após tal enumeração, Dalgalarrondo (2008) conclui que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam em função dos fenômenos que são trabalhados e de acordo com as opções filosóficas do profissional. Também chama a atenção para a necessidade dos profissionais de saúde mental manterem uma constante postura crítica e reflexiva acerca de tais parâmetros.

A loucura talvez seja realmente perder a razão. Mas perder a razão é uma questão de ponto de vista. Chamar o doente mental de louco é grosseiro e pejorativo. Porém, há quem use o termo para se referir a algo positivo, admirável, genial. Quanta controvérsia... tudo depende mesmo da subjetividade de cada um, do aspecto sob o qual se desenha um conceito, um paradigma.

Acredito que a sanidade esteja na capacidade de respeitar o outro e a si mesmo, de desenvolver empatia e de jamais abrir mão de sua própria essência, de ser quem simplesmente se é. Em precisando ser a sanidade algo diverso disso, fico com o brilhantismo de Lya Luft:

“Apesar do medo, escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas, prefiro a dura liberdade.
Vôo com meu par de asas tortas, sem o tédio da comprovação.
Opto pela loucura, com um grão de realidade: meu ímpeto explode o ponto,
Arqueia a linha, traço contornos para os romper.
Desculpem-me, mas devo dizer: eu quero o delírio.”
Lya Luft.

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