sábado, 2 de março de 2013

Convide o "outro" para almoçar

Psicopositiva

Convide o "outro" para almoçar

Convidar outra pessoa para um simples almoço pode ser um poderoso exercício de psicologia positiva. esse simples ritual pode trazer surpresas pessoais valiosas.

Lilian Graziano


Foto: Shutterstock

No mês passado, embalada pela energia do início do ano, falei sobre metas de Ano-Novo e sobre o poder que temos de transformar nossas vidas na direção de nossos desejos. Naquela ocasião, fiz um balanço das metas pessoais que havia estabelecido para mim no Réveillon de 2010 e concluí, satisfeita, e inevitavelmente seguindo a velha história do copo meio cheio, que havia conquistado a metade de minhas metas em 2011, o que significa que a outra metade ficou para este ano. Mas além de lidar com o passivo de 2011, impus a mim mesma novas metas que, uma vez atingidas, tornar-me-ão uma pessoa melhor não apenas neste, mas em todos os anos que me restam. Mas é claro que você não está interessado nos desafios pessoais aos quais me submeti no último Réveillon. E é por isso que começo explicando que falar de mim é apenas um pretexto para falar de um assunto que julgo ser de extrema importância. Para simplifi- car as coisas, chamarei aqui de cidadania a característica que quero trabalhar em mim durante este ano. Mas talvez cidadania não seja uma boa palavra, já que especifi- camente o que quero desenvolver é nada mais do que um espírito de coletividade que se opõe à cultura individualista à qual pertenço. Dito desta maneira, corro o risco de passar a impressão de que sou uma pessoa egoísta que nada mais faz do que pensar em si mesma. Isso não é verdade. Divirto-me ao observar o quanto tendemos a pensar o mundo de forma maniqueísta: "Se preciso desenvolver meu coletivismo é porque sou uma egoísta insensível às necessidades alheias". Seria o ser humano assim tão simples, colorido a partir de uma paleta de cores tão empobrecida? É preciso ter olhos para ver a infinita gama de cores que nos compõe, a fim de que possamos explorar a riqueza artística de nossas possibilidades, fazendo de nossas vidas verdadeiras obras de arte. Este era o ideal do homem grego. E esta deveria ser a força motriz de todas as promessas de Ano-Novo.

Voltando à questão do espírito de coletividade que me falta, devo dizer que sempre fui sensível ao outro e houve época em minha vida em que, num misto de ingenuidade e arrogância, queria mudar o mundo. Tornei-me professora aos 17 anos com este firme propósito: transformaria turmas inteiras ao final de cada ano letivo e me juntaria aos meus colegas professores, formando verdadeiras forças-tarefa que transformariam a Educação. Como, felizmente, a idade nos traz algo além de rugas e flacidez, percebi com o tempo que sofria mais de complexo de Messias do que de idealismo. E a partir de então determinei que minha ação seria individual. Não me juntaria a ninguém e nem teria a pretensão de mudar a Educação ou turmas inteiras de alunos. A saída seria individual, juntarme a grupos seria perda de tempo. Talvez essa maneira de pensar tenha perigosamente me conduzido a um individualismo sutil e ameaçadoramente invisível para mim e a cultura à qual pertenço. Mas o fato é que ela ainda me é familiar e, a bem da verdade, eu estava muito confortável com minha convicção. Até que conheci Elizabeth Lesser. De acordo com Lesser, um dos maiores problemas da atualidade é nossa tendência à "demonização do outro", ou seja, uma espécie de distorção perceptiva que nos leva não apenas a nos enxergarmos como diferentes, mas também como melhores do que as outras pessoas. Nunca havia pensado no individualismo nesses termos e talvez por isso imaginava estar imune a ele. Mas essa visão de mundo se estabelece de maneira insidiosa e seu mecanismo, numa epifania, tornouse claro para mim. Acreditando na existência de uma verdade única, não há como deixarmos de imaginar que ela seja a nossa própria. Sendo assim, verdades alheias passam a ser equivocadas, de forma que estabelecemos a perigosa divisão entre o "eu" e o "outro". A partir daí, o "nós e eles" torna-se inevitável. Quantas vezes costumamos ouvir frases como: "Família mesmo é apenas eu, meu marido/esposa e meus filhos."? É a própria Elizabeth Lesser quem nos lembra de uma frase dita por Madre Teresa de Calcutá: "O problema da humanidade é que desenhamos o círculo da nossa família muito pequeno".

Não preciso ser Madre Teresa para romper com esse ciclo. E para me ajudar nesse processo Elizabeth sugere um excelente exercício, o qual chama de "Convide com minha convicção. Até que conheci Elizabeth Lesser.

"VERDADES ALHEIAS PASSAM A SER EQUIVOCADAS, DE FORMA QUE ESTABELECEMOS A PERIGOSA DIVISÃO ENTRE O "EU" E O "OUTRO". A PARTIR DAÍ, O "NÓS E ELES" TORNA-SE INEVITÁVEL"

De acordo com Lesser, um dos maiores problemas da atualidade é nossa tendência à "demonização do outro", ou seja, uma espécie de distorção perceptiva que nos leva não apenas a nos enxergarmos como diferentes, mas também como melhores do que as outras pessoas.

Nunca havia pensado no individualismo nesses termos e talvez por isso imaginava estar imune a ele. Mas essa visão de mundo se estabelece de maneira insidiosa e seu mecanismo, numa epifania, tornouse claro para mim.

Acreditando na existência de uma verdade única, não há como deixarmos de imaginar que ela seja a nossa própria. Sendo assim, verdades alheias passam a ser equivocadas, de forma que estabelecemos a perigosa divisão entre o "eu" e o "outro". A partir daí, o "nós e eles" torna-se inevitável. Quantas vezes costumamos ouvir frases como: "Família mesmo é apenas eu, meu marido/esposa e meus filhos."? É a própria Elizabeth Lesser quem nos lembra de uma frase dita por Madre Teresa de Calcutá: "O problema da humanidade é que desenhamos o círculo da nossa família muito pequeno". Não preciso ser Madre Teresa para romper com esse ciclo. E para me ajudar nesse processo Elizabeth sugere um excelente exercício, o qual chama de "Convide o outro para almoçar", e cujo objetivo é apenas o de conhecer uma pessoa que pertence ao grupo sobre o qual nutrimos um estereótipo negativo. Se sou espírita, convido um evangélico para um almoço. Se sou PSDB, convido um petista. Se sou a favor da liberação da maconha, convido alguém que seja frontalmente contra e por aí vai.

Não se trata de uma iniciativa de simples cordialidade com o outro, mas sim de uma tentativa genuína de conhecer sua maneira de pensar. Não para procurar as "falhas" de raciocínio que me permitam empurrar-lhe minha verdade goela abaixo, mas para compreender sua forma de construir o mundo e talvez até mesmo suas similaridades em relação a alguns de meus valores.

Em 2012 convidarei muitas pessoas para almoçar. Mas, antes disso, gostaria de convidá-lo a fazer o mesmo!
Foto: Shutterstock

Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área

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