Convide o "outro" para almoçar
Convidar outra pessoa para um simples almoço pode ser um poderoso exercício de psicologia positiva. esse simples ritual pode trazer surpresas pessoais valiosas.
Lilian Graziano
No mês passado, embalada pela energia do início do ano, falei sobre metas de Ano-Novo e sobre o poder que temos de transformar nossas vidas na direção de nossos desejos. Naquela ocasião, fiz um balanço das metas pessoais que havia estabelecido para mim no Réveillon de 2010 e concluí, satisfeita, e inevitavelmente seguindo a velha história do copo meio cheio, que havia conquistado a metade de minhas metas em 2011, o que significa que a outra metade ficou para este ano. Mas além de lidar com o passivo de 2011, impus a mim mesma novas metas que, uma vez atingidas, tornar-me-ão uma pessoa melhor não apenas neste, mas em todos os anos que me restam. Mas é claro que você não está interessado nos desafios pessoais aos quais me submeti no último Réveillon. E é por isso que começo explicando que falar de mim é apenas um pretexto para falar de um assunto que julgo ser de extrema importância. Para simplifi- car as coisas, chamarei aqui de cidadania a característica que quero trabalhar em mim durante este ano. Mas talvez cidadania não seja uma boa palavra, já que especifi- camente o que quero desenvolver é nada mais do que um espírito de coletividade que se opõe à cultura individualista à qual pertenço. Dito desta maneira, corro o risco de passar a impressão de que sou uma pessoa egoísta que nada mais faz do que pensar em si mesma. Isso não é verdade. Divirto-me ao observar o quanto tendemos a pensar o mundo de forma maniqueísta: "Se preciso desenvolver meu coletivismo é porque sou uma egoísta insensível às necessidades alheias". Seria o ser humano assim tão simples, colorido a partir de uma paleta de cores tão empobrecida? É preciso ter olhos para ver a infinita gama de cores que nos compõe, a fim de que possamos explorar a riqueza artística de nossas possibilidades, fazendo de nossas vidas verdadeiras obras de arte. Este era o ideal do homem grego. E esta deveria ser a força motriz de todas as promessas de Ano-Novo.
Voltando à questão do espírito de coletividade que me falta, devo dizer que sempre fui sensível ao outro e houve época em minha vida em que, num misto de ingenuidade e arrogância, queria mudar o mundo. Tornei-me professora aos 17 anos com este firme propósito: transformaria turmas inteiras ao final de cada ano letivo e me juntaria aos meus colegas professores, formando verdadeiras forças-tarefa que transformariam a Educação. Como, felizmente, a idade nos traz algo além de rugas e flacidez, percebi com o tempo que sofria mais de complexo de Messias do que de idealismo. E a partir de então determinei que minha ação seria individual. Não me juntaria a ninguém e nem teria a pretensão de mudar a Educação ou turmas inteiras de alunos. A saída seria individual, juntarme a grupos seria perda de tempo. Talvez essa maneira de pensar tenha perigosamente me conduzido a um individualismo sutil e ameaçadoramente invisível para mim e a cultura à qual pertenço. Mas o fato é que ela ainda me é familiar e, a bem da verdade, eu estava muito confortável com minha convicção. Até que conheci Elizabeth Lesser. De acordo com Lesser, um dos maiores problemas da atualidade é nossa tendência à "demonização do outro", ou seja, uma espécie de distorção perceptiva que nos leva não apenas a nos enxergarmos como diferentes, mas também como melhores do que as outras pessoas. Nunca havia pensado no individualismo nesses termos e talvez por isso imaginava estar imune a ele. Mas essa visão de mundo se estabelece de maneira insidiosa e seu mecanismo, numa epifania, tornouse claro para mim. Acreditando na existência de uma verdade única, não há como deixarmos de imaginar que ela seja a nossa própria. Sendo assim, verdades alheias passam a ser equivocadas, de forma que estabelecemos a perigosa divisão entre o "eu" e o "outro". A partir daí, o "nós e eles" torna-se inevitável. Quantas vezes costumamos ouvir frases como: "Família mesmo é apenas eu, meu marido/esposa e meus filhos."? É a própria Elizabeth Lesser quem nos lembra de uma frase dita por Madre Teresa de Calcutá: "O problema da humanidade é que desenhamos o círculo da nossa família muito pequeno".
Não preciso ser Madre Teresa para romper com esse ciclo. E para me ajudar nesse processo Elizabeth sugere um excelente exercício, o qual chama de "Convide com minha convicção. Até que conheci Elizabeth Lesser.
"VERDADES ALHEIAS PASSAM A SER EQUIVOCADAS, DE FORMA QUE ESTABELECEMOS A PERIGOSA DIVISÃO ENTRE O "EU" E O "OUTRO". A PARTIR DAÍ, O "NÓS E ELES" TORNA-SE INEVITÁVEL"
De acordo com Lesser, um dos maiores problemas da atualidade é nossa tendência à "demonização do outro", ou seja, uma espécie de distorção perceptiva que nos leva não apenas a nos enxergarmos como diferentes, mas também como melhores do que as outras pessoas.
Nunca havia pensado no individualismo nesses termos e talvez por isso imaginava estar imune a ele. Mas essa visão de mundo se estabelece de maneira insidiosa e seu mecanismo, numa epifania, tornouse claro para mim.
Acreditando na existência de uma verdade única, não há como deixarmos de imaginar que ela seja a nossa própria. Sendo assim, verdades alheias passam a ser equivocadas, de forma que estabelecemos a perigosa divisão entre o "eu" e o "outro". A partir daí, o "nós e eles" torna-se inevitável. Quantas vezes costumamos ouvir frases como: "Família mesmo é apenas eu, meu marido/esposa e meus filhos."? É a própria Elizabeth Lesser quem nos lembra de uma frase dita por Madre Teresa de Calcutá: "O problema da humanidade é que desenhamos o círculo da nossa família muito pequeno". Não preciso ser Madre Teresa para romper com esse ciclo. E para me ajudar nesse processo Elizabeth sugere um excelente exercício, o qual chama de "Convide o outro para almoçar", e cujo objetivo é apenas o de conhecer uma pessoa que pertence ao grupo sobre o qual nutrimos um estereótipo negativo. Se sou espírita, convido um evangélico para um almoço. Se sou PSDB, convido um petista. Se sou a favor da liberação da maconha, convido alguém que seja frontalmente contra e por aí vai.
Não se trata de uma iniciativa de simples cordialidade com o outro, mas sim de uma tentativa genuína de conhecer sua maneira de pensar. Não para procurar as "falhas" de raciocínio que me permitam empurrar-lhe minha verdade goela abaixo, mas para compreender sua forma de construir o mundo e talvez até mesmo suas similaridades em relação a alguns de meus valores.
Em 2012 convidarei muitas pessoas para almoçar. Mas, antes disso, gostaria de convidá-lo a fazer o mesmo!
Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área |
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