sábado, 2 de março de 2013

"Conhece-te a ti mesmo" O conhecimento de si

Livros
"Conhece-te a ti mesmo"
O conhecimento de si

Crítica de Gustavo Dainezi, consultor do Espaço Ética. www.espacoetica.com.br


O conhecimento de si
Por: Franklin Leopoldo e Silva
Editora: Casa da Palavra. 152 págs.

O livro recomendado nesta edição foi escrito por uma lenda viva da Filosofia brasileira. Isto bastaria para que a leitura fosse mais do que proveitosa. Mas para além da grande qualidade do seu escritor, a obra trata de um dos mais fascinantes temas da Filosofia.
Franklin Leopoldo e Silva, professor da USP, é uma biblioteca ambulante. Quem conversa com ele, ou assiste às suas aulas, é levado imediatamente à questão:”O que este senhor não conhece?”
Neste livro, o mestre expõe reflexões sobre o que, segundo a História da Filosofia, menos conhecemos: a nós mesmos. Somos objetos que parecem tão próximos, mas que estão paradoxalmente distantes de nossa apreensão, pois quando sujeito e objeto se confundem, confundem-se também o método e a observação. Como observar o observador? Será necessária uma cisão do ser em dois? Ou uma externalização da parte que observa?
Inquietações justificadas e complicadas. Mas que não deixam de ser abordadas na história desta reflexão. E explicadas neste livro em muitas de suas nuanças e transformações históricas.
A questão começa com Sócrates. Este homem que transportou para a Filosofia, diretamente do templo de Apolo, em Delphos, a máxima “conhece-te a ti mesmo”. E fazer que seus concidadãos agissem desta maneira tornou-se sua missão. Tratava da ignorância alheia, levando seus interlocutores a se voltarem a si mesmos. A sua filosofia foi, acima de tudo, um modo de vida – que o levou à morte, mas que não lhe causou nenhum arrependimento.
Seguindo Sócrates, Agostinho. Outro gigante da questão do conhecimento de si, que agora aparece sob uma óptica completamente diversa da socrática. Porque a filosofia agostiniana se refere a um novo modo de vida, muito distante daquele democrático do ateniense Sócrates. E é sob o ponto de vista da doutrina cristã que Agostinho desenvolve todo o seu modo de vida filosófico. O professor Franklin nota, aqui, o começo de uma virada na questão do olhar para si: de uma experiência refletida para uma reflexão sobre a própria experiência.
Descartes aparecerá, em seguida, como um marco nesta questão. Questão que, para ele mesmo, é difícil resolver. Depois de teorizar e justificar a radical separação entre corpo e alma, que não se comunicam, é forçado a reconhecer que a existência de um corpo que é também parte do nosso ser, que é também parte do sujeito, confunde e turva a clareza de uma alma pensante, livre das perturbações das paixões. Como diz o professor, no final deste capítulo, “Curiosamente, no filósofo da clareza e da distinção, o conhecimento de si comporta obscuridade”.
A filosofia kantiana dá ao conhecimento de si um olhar mais prático. Se o conhecimento objetivo de nós mesmos não está em nosso alcance, somos senhores de nossa prática. O que a obra propõe em seguida, com Sartre, é que justamente essas práticas serão nossas melhores pistas no sentido do conhecimento de nós mesmos.
Um livro fascinante, que merece uma leitura atenta, por ser uma fonte de sabedoria imensa, com valor prático enorme.



Odisseia revisitada
Odisseia – Por: Homero – Editora: 34. 813 págs.

Um verdadeiro clássico da Literatura, esta obra de Homero foi composta em meados do século VIII a.C. Trata-se de um livro que busca relatar o complexo e emocionante percurso de Odisseu ao tentar regressar a Ítaca e para Penélope, sua esposa, após o fim da guerra. Odisseu foi um dos principais heróis da história da Grécia antiga, que ficou genuinamente conhecido por este relato. Nesta tradução, a preservação dos elementos fiéis da obra é objetivo principal do tradutor, assim como a recriação poética dos ritmos e sonoridades do original.






Seguindo seus passos
44 cartas do mundo líquido moderno Por: Zygmunt Bauman – Editora: Zahar – 226 págs.

Temas ligados ao contrassenso da vida contemporânea compõem o conjunto de cartas publicadas na revista italiana La Repubblica delle Donne, entre 2008 e 2009, por Zygmunt Bauman. O constante movimento e dissolução que o mundo e a sociedade sofrem a cada dia que passa fazem parte dos flashes abordados pelo autor nesta obra. Como filtrar as notícias que realmente importam dentre todas estas conversas descartáveis? Como captar as mensagens significativas entre o alarido sem nexo? Nestas cartas, o sociólogo busca separar o relevante do sem conteúdo e mostra o caminho para aplicarmos suas ideias.



Convide o "outro" para almoçar

Psicopositiva

Convide o "outro" para almoçar

Convidar outra pessoa para um simples almoço pode ser um poderoso exercício de psicologia positiva. esse simples ritual pode trazer surpresas pessoais valiosas.

Lilian Graziano


Foto: Shutterstock

No mês passado, embalada pela energia do início do ano, falei sobre metas de Ano-Novo e sobre o poder que temos de transformar nossas vidas na direção de nossos desejos. Naquela ocasião, fiz um balanço das metas pessoais que havia estabelecido para mim no Réveillon de 2010 e concluí, satisfeita, e inevitavelmente seguindo a velha história do copo meio cheio, que havia conquistado a metade de minhas metas em 2011, o que significa que a outra metade ficou para este ano. Mas além de lidar com o passivo de 2011, impus a mim mesma novas metas que, uma vez atingidas, tornar-me-ão uma pessoa melhor não apenas neste, mas em todos os anos que me restam. Mas é claro que você não está interessado nos desafios pessoais aos quais me submeti no último Réveillon. E é por isso que começo explicando que falar de mim é apenas um pretexto para falar de um assunto que julgo ser de extrema importância. Para simplifi- car as coisas, chamarei aqui de cidadania a característica que quero trabalhar em mim durante este ano. Mas talvez cidadania não seja uma boa palavra, já que especifi- camente o que quero desenvolver é nada mais do que um espírito de coletividade que se opõe à cultura individualista à qual pertenço. Dito desta maneira, corro o risco de passar a impressão de que sou uma pessoa egoísta que nada mais faz do que pensar em si mesma. Isso não é verdade. Divirto-me ao observar o quanto tendemos a pensar o mundo de forma maniqueísta: "Se preciso desenvolver meu coletivismo é porque sou uma egoísta insensível às necessidades alheias". Seria o ser humano assim tão simples, colorido a partir de uma paleta de cores tão empobrecida? É preciso ter olhos para ver a infinita gama de cores que nos compõe, a fim de que possamos explorar a riqueza artística de nossas possibilidades, fazendo de nossas vidas verdadeiras obras de arte. Este era o ideal do homem grego. E esta deveria ser a força motriz de todas as promessas de Ano-Novo.

Voltando à questão do espírito de coletividade que me falta, devo dizer que sempre fui sensível ao outro e houve época em minha vida em que, num misto de ingenuidade e arrogância, queria mudar o mundo. Tornei-me professora aos 17 anos com este firme propósito: transformaria turmas inteiras ao final de cada ano letivo e me juntaria aos meus colegas professores, formando verdadeiras forças-tarefa que transformariam a Educação. Como, felizmente, a idade nos traz algo além de rugas e flacidez, percebi com o tempo que sofria mais de complexo de Messias do que de idealismo. E a partir de então determinei que minha ação seria individual. Não me juntaria a ninguém e nem teria a pretensão de mudar a Educação ou turmas inteiras de alunos. A saída seria individual, juntarme a grupos seria perda de tempo. Talvez essa maneira de pensar tenha perigosamente me conduzido a um individualismo sutil e ameaçadoramente invisível para mim e a cultura à qual pertenço. Mas o fato é que ela ainda me é familiar e, a bem da verdade, eu estava muito confortável com minha convicção. Até que conheci Elizabeth Lesser. De acordo com Lesser, um dos maiores problemas da atualidade é nossa tendência à "demonização do outro", ou seja, uma espécie de distorção perceptiva que nos leva não apenas a nos enxergarmos como diferentes, mas também como melhores do que as outras pessoas. Nunca havia pensado no individualismo nesses termos e talvez por isso imaginava estar imune a ele. Mas essa visão de mundo se estabelece de maneira insidiosa e seu mecanismo, numa epifania, tornouse claro para mim. Acreditando na existência de uma verdade única, não há como deixarmos de imaginar que ela seja a nossa própria. Sendo assim, verdades alheias passam a ser equivocadas, de forma que estabelecemos a perigosa divisão entre o "eu" e o "outro". A partir daí, o "nós e eles" torna-se inevitável. Quantas vezes costumamos ouvir frases como: "Família mesmo é apenas eu, meu marido/esposa e meus filhos."? É a própria Elizabeth Lesser quem nos lembra de uma frase dita por Madre Teresa de Calcutá: "O problema da humanidade é que desenhamos o círculo da nossa família muito pequeno".

Não preciso ser Madre Teresa para romper com esse ciclo. E para me ajudar nesse processo Elizabeth sugere um excelente exercício, o qual chama de "Convide com minha convicção. Até que conheci Elizabeth Lesser.

"VERDADES ALHEIAS PASSAM A SER EQUIVOCADAS, DE FORMA QUE ESTABELECEMOS A PERIGOSA DIVISÃO ENTRE O "EU" E O "OUTRO". A PARTIR DAÍ, O "NÓS E ELES" TORNA-SE INEVITÁVEL"

De acordo com Lesser, um dos maiores problemas da atualidade é nossa tendência à "demonização do outro", ou seja, uma espécie de distorção perceptiva que nos leva não apenas a nos enxergarmos como diferentes, mas também como melhores do que as outras pessoas.

Nunca havia pensado no individualismo nesses termos e talvez por isso imaginava estar imune a ele. Mas essa visão de mundo se estabelece de maneira insidiosa e seu mecanismo, numa epifania, tornouse claro para mim.

Acreditando na existência de uma verdade única, não há como deixarmos de imaginar que ela seja a nossa própria. Sendo assim, verdades alheias passam a ser equivocadas, de forma que estabelecemos a perigosa divisão entre o "eu" e o "outro". A partir daí, o "nós e eles" torna-se inevitável. Quantas vezes costumamos ouvir frases como: "Família mesmo é apenas eu, meu marido/esposa e meus filhos."? É a própria Elizabeth Lesser quem nos lembra de uma frase dita por Madre Teresa de Calcutá: "O problema da humanidade é que desenhamos o círculo da nossa família muito pequeno". Não preciso ser Madre Teresa para romper com esse ciclo. E para me ajudar nesse processo Elizabeth sugere um excelente exercício, o qual chama de "Convide o outro para almoçar", e cujo objetivo é apenas o de conhecer uma pessoa que pertence ao grupo sobre o qual nutrimos um estereótipo negativo. Se sou espírita, convido um evangélico para um almoço. Se sou PSDB, convido um petista. Se sou a favor da liberação da maconha, convido alguém que seja frontalmente contra e por aí vai.

Não se trata de uma iniciativa de simples cordialidade com o outro, mas sim de uma tentativa genuína de conhecer sua maneira de pensar. Não para procurar as "falhas" de raciocínio que me permitam empurrar-lhe minha verdade goela abaixo, mas para compreender sua forma de construir o mundo e talvez até mesmo suas similaridades em relação a alguns de meus valores.

Em 2012 convidarei muitas pessoas para almoçar. Mas, antes disso, gostaria de convidá-lo a fazer o mesmo!
Foto: Shutterstock

Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área

Explicar o inexplicável Tão Forte e Tão Perto

Cinema
Explicar o inexplicável

Tão Forte e Tão Perto é um filme capaz de produzir emoções genuínas na mistura da elaboração do luto e da descoberta de si mesmo. o atentado de 11 de setembro se torna coadjuvante
Por Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps



Imagens: divulgaçãoTão forte e tão perto, nova obra cinematográfica do inglês Stephen Daldry (Billy Elliot, As Horas, O Leitor) é uma adaptação para as telas do romance Extremamente Alto & Incrivelmente Perto de Jonathan Safran Foer e que conquistou duas indicações ao Oscar: melhor filme e melhor ator coadjuvante para o sueco Max von Sydow (Inquilino, avô). Embora aqui no Brasil não tenha sido recebido com muito entusiasmo pela crítica, mobilizou a plateia. Traz no elenco principal Thomas Horn (Oskar), Tom Hanks (pai, Thomas Schell), Sandra Bullock (mãe, Linda Schell). Veremos também em um papel coadjuvante a magnífica Viola Davis de Vidas Cruzadas no papel de Abby Black e Jeffrey Wright (Black).

Neste filme, vamos conhecer o menino Oskar e acompanhar de perto sua busca. Embora tenha toda a questão política que envolve o 11 de setembro, ou o setembro negro, como ficou conhecido, ela nos será apresentada muito mais no sentido de lembrar-nos que a morte está sempre à espreita, que é sempre inesperada e inexplicável, trazendo um estranhamento repleto de dúvidas e enigmas. Foram escritas duras críticas que apontam para o fato do filme não conseguir contemplar toda a riqueza e até mesmo a questão central do livro. Mas essa tarefa sempre é cobrada de filmes que se baseiam em livro, e acaba que apaga a intenção do diretor ao construir seu caminho dentro de uma linguagem que não possui paralelo.
"Lembre-se, todo dia é um milagre." (Hazelle Black)
"Eu não acredito em milagres" (Oskar)



Imagens: divulgação
Oskar Schell é um menino excepcional para sua pouca idade. É um “perguntador” perspicaz, uma mente ávida, um grande admirador da cultura francesa, inventor amador e pacifista
GRANDE TECIDO SOCIAL
Tão Forte e Tão Perto se pretendeu alguma abordagem do evento em termos de pensar a sociedade, fez isso a partir das células menores que compõem o grande tecido social, leva a questão para as diversas formas que nos reunimos em nossos grupos familiares. Nosso protagonista nos apresentará um pouco desta rica montagem que se esconde por trás das portas que abrigam afetos e segredos. Não faz uma análise política e sequer aponta causas ou culpados, apenas relata a dor, o susto, a destruição da qual somos capazes. Deixa no ar o espanto diante da dor que somos capazes de promover ou ainda como no livro, focando a questão do avô, que remete aos “efeitos colaterais” que se acumulam guerra a guerra. Dor é sempre dor e muitos são os órfãos das guerras.

MESMO QUE PROTEGIDOS PELOS PAIS, NOSSOS FILHOS NÃO ESTARÃO SEMPRE SEGUROS, POIS VIVEMOS EM UMA SOCIEDADE QUE GERARÁ SEMPRE CONFLITOS. A VIDA EM SI NÃO TRAZ JAMAIS O SENTIDO DE SEGURANÇA QUE MUITAS VEZES QUEREMOS MAGICAMENTE LHE EMPRESTAR

A culpa de Oskar, que só nos é apresentada mais para o final da exibição, lança uma pergunta que vai encontrar eco em muitos teóricos que tentam entender nosso momento, a atualidade, em torno da construção de uma lei paterna mais acolhedora e amorosa, menos tirânica e agressiva, uma força aliada ao feminino, ao materno que sua mãe delicadamente nos apresentará de maneira bela, interpretada de forma quase artesanal pela nossa conhecida e querida Sandra Bullock (Linda).
O filme não toca em nada do que teria levado ao “terrível dia...”, como o nomeia Oskar, e que sabemos envolver ainda perguntas não respondidas, questões sem explicações plausíveis e que é algo que nos deixa “de cara” com o lado mais sombrio do que costumamos chamar de civilização. É de conhecimento comum a opinião de Freud sobre a religião, e de sua comparação à neurose coletiva. A imaturidade que levaria a uma busca por não autonomia deste sujeito e que em certos graus gera graves patologias psicológicas, como o fanatismo religioso. Fanatismos que jamais passam por um crivo de racionalidade, ou seja, impossível de se ver por uma lógica. Assim como Oskar ainda quedamos perplexos diante de acontecimentos para os quais não conseguimos assimilar ou entender. Toda a sucessão de guerras que temos assistido nas últimas décadas aponta para o injustificado de suas argumentações. Vale dar uma espiada no filme “W” do diretor Oliver Stone.
Ao longo da história temos relatos de como o fanatismo é sempre destrutivo socialmente, seja nas grandes tragédias das guerras, seja na guerra cotidiana, daquele que se faz presente, por exemplo, nos movimentos que tentam fornecer argumentos para a homofobia, quer seja pelo fanatismo religioso que deu origem a tantas outras guerras e massacres recentes, também de certa forma apresentado no atentado de 11 de setembro aos Estados Unidos, palco central da trama desse filme.

UM ANO DEPOIS DA TRAGÉDIA, TANTO OSKAR COMO SUA MÃE AINDA SEGUEM NAS ETAPAS DE ELABORAÇÃO DO LUTO. O OBJETO AINDA ESTÁ PRESENTE PSICOLOGICAMENTE E O INVESTIMENTO LIBIDINAL AINDA É FEITO

Os vários tons do gozo e do prazer

Os vários tons do gozo e do prazer

Freud reconhece que há algo para "além do prazer", que seria exatamente aquilo que nomeou de pulsão de morte, tendo a compulsão à repetição como uma de suas principais expressões para a construção do conceito de gozo por Lacan


Temos observado na atualidade um tipo de exigência de satisfação irrestrita, que reflete bem a tônica da nossa chamada “sociedade do consumo” contemporânea, ou “sociedade do excesso”. O “supérfluo”, o “descartável”, o “excesso” e o “ilimitado” são marcas características da nossa cultura. Ipod, Ipad e Iphones 1, 2, 3 e 4 ilustram bem o que queremos dizer. O equivalente desse fenômeno cultural tão atual, pensado a partir da teoria e da clínica psicanalíticas, nos remete ao conceito de “gozo”, teorizado pelo psicanalista francês Jacques Lacan a partir, pasmem, do final da década de 1950.
“Goze!” Sim, segundo Lacan, é isso o que ouvimos, tanto externamente (voz da cultura) quanto internamente (voz do supereu). Não amanhã, não daqui a pouco, não parcialmente, mas sim aqui, agora e integralmente, até o limite (ou além). O que importa é o prazer imediato e ilimitado, sem contenção e sem barreira. O que se busca é gozar a qualquer preço. “Por que resistir às tentações?”, pergunta um cartaz afixado em um restaurante a quilo no centro da cidade. “Pecado é tentar resistir...”, afirma uma faixa na entrada de uma loja de doces. Ou seja, “goze!”.
Para o Marquês de Sade, o gozo se trata apenas de usufruto, e não de propriedade. Para ele, apesar de não haver o direito de propriedade sobre o corpo, há o direito usufruí-lo, durante o tempo que isso lhe der prazer
É como se hoje em dia o gozo estivesse levando vantagem sobre o prazer. O triunfo do gozo sobre o prazer: podemos inferir que está aí uma das possíveis razões por trás do estrondoso sucesso da trilogia erótica 50 tons, também conhecido como “o pornô das mamães”. O primeiro volume de 50 tons de cinza passou de 10 milhões de livros vendidos nas seis primeiras semanas do lançamento. A narrativa descreve, em ricos detalhes, as aventuras eróticas de uma jovem estudante de 21 anos, com um magnata sedutor mais velho. Como se não bastasse para cativar os leitores, dois ingredientes picantes especiais são adicionados neste relacionamento: ela é virgem e ele adepto de práticas sadomasoquistas. Tendo êxito em mesclar, tão bem, a inocência da moça virgem com a perversão do rapaz sadomasoquista, a autora consegue exercer um verdadeiro fascínio em seus leitores, principalmente da ala feminina. Sem nos estender muito nessa questão, que não é foco deste artigo, uma das explicações possíveis para a predominância das mulheres dentre os leitores deste romance, em nossa opinião, diz respeito mais a certas características do feminino que as levam a preferir algo mais sutil e discreto, quando o assunto é pornografia, do que qualquer outra coisa.
• Precursor do sadismo •Marquês de Sade foi um aristocrata francês e escritor libertino. Muitas das suas obras foram escritas enquanto estava na Prisão da Bastilha, encarcerado diversas vezes, inclusive por Napoleão Bonaparte. De seu nome surge o termo médico sadismo, que define a perversão sexual de ter prazer na dor física ou moral do parceiro ou parceiros. Foi perseguido tanto pela monarquia (Antigo Regime) como pelos revolucionários vitoriosos de 1789 e depois por Napoleão.
O empuxo ao gozo na atualidade é forte e cada um se vira como pode. Parecendo captar bem esse fenômeno cultural, a autora do best-selleraborda, com linguagem simples e acessível, um relacionamento recheado de práticas sadomasoquistas, conduzindo seus leitores, de forma sutil, quase imperceptível, ao fascinante campo do gozo, do proibido e da transgressão. As práticas sadomasoquistas, para a Psicanálise, pertencem ao campo das perversões e do gozo. Isso, sem dúvida, exerce forte atração, principalmente naquelas mulheres acostumadas com a rotina, com o prazer limitado, com o “socialmente aceito” e o “politicamente correto”. Mais de 20 orgasmos em apenas três semanas é o que experimenta a jovem protagonista do livro. Esta é a contabilidade do gozo em 50 tons de cinza. Quem não se interessaria?
Em seu uso cotidiano, o termo gozo reveste-se, principalmente, de uma dimensão jurídica e outra sexual. No vocabulário jurídico remete à noção de usufruto, ou seja, ao direito de gozar de um bem, gozar de férias etc. Essa conotação jurídica do termo gozo opõe claramente gozo e propriedade. Oposição esta que o Marquês de Sade reforça quando afirma “tenho o direito a gozar do teu corpo”, porém “somente durante o tempo que isso me der prazer”, ou seja, trata-se apenas do gozo e não da propriedade do corpo. Em sua conotação sexual, gozo e gozar tornam-se sinônimos de prazer, mais especificamente da expressão máxima do prazer sexual. Não por acaso, o psicanalista francês Jacques Lacan escolheu o termo “gozo” (jouissance, em francês), palavra que possui conotação sexual, tanto em português quanto em francês, para nomear o conceito psicanalítico que inventara. Para ilustrar a importância do caráter sexual do gozo lacaniano, o termo jouissance foi utilizado sem tradução na maioria das edições inglesas da obra de Lacan. Isso se deve ao fato de não haver, na língua inglesa, um significante capaz de expressar tal aspecto sexual do conceito psicanalítico de gozo. A palavra inglesa que mais se aproximaria seria enjoyment. Como contribuição psicanalítica à língua inglesa, o termo jouissance passou a figurar no tradicional dicionário Oxford.

Jacques Lacan escolheu o termo “gozo”, palavra que possui conotação sexual, para nomear o conceito psicanalítico que inventara

O princípio de prazer é um dos dois princípios do funcionamento mental apresentados por Freud em seus escritos metapsicológicos (o outro é o princípio de realidade), sendo caracterizado, resumidamente, pela evitação da dor, do desprazer, e a busca pelo prazer, visando manter a excitação do aparelho psíquico no menor nível funcional possível. Prazer, para Freud, está relacionado à diminuição da quantidade de excitação no psiquismo, enquanto que o desprazer adviria do aumento desta quantidade.
Arte de transgredir Segundo Lacan, o conceito de gozo remete à ideia de um excesso, de uma transgressão (da lei), de um “ir além dos limites” ou “além do prazer”, como preferiu Freud ao dar título ao seu texto de 1920, “Além do princípio de prazer”. Este é considerado um divisor de águas na teoria psicanalítica que, até então, considerava o “princípio de prazer” como princípio regulador do aparelho psíquico, o qual conduziria o indivíduo à busca pelo prazer e à evitação da dor. A partir da publicação deste trabalho, Freud reconhece que há algo para “além do prazer”, que seria exatamente aquilo que nomeou de pulsão de morte, tendo a compulsão à repetição como uma de suas principais expressões.
O princípio de prazer, segundo Freud, é caracterizado, resumidamente, pela evitação da dor, do desprazer, e a busca pelo prazer, mantendo a excitação do aparelho psíquico no menor nível funcional possível
Pode-se dizer que a pulsão de morte e a compulsão à repetição representam as principais bases teóricas referenciais na obra de Freud que serviram de matéria- prima para a construção do conceito de gozo por Lacan. O gozo, portanto, é aquilo que está para além do princípio de prazer, que é da ordem do excesso, da transgressão, e que, segundo Lacan, é causa de sofrimento.
Fazendo coro à importância do tema em questão, tanto na teoria como na clínica, a psicanalista Ana Maria Rudge, em seu artigo “Pulsão de morte como efeito de supereu” (2006, p. 79), diz que a questão da constituição desta força que empurra o homem para a dor e para o sofrimento constitui o tema central na obra freudiana. “Pela irresistível atração pelo sofrimento que as caracteriza, essas manifestações clínicas foram o estopim para a maior reformulação da teoria freudiana, aquela que introduziu a segunda tópica e, no seio da nova teoria pulsional, a pulsão de morte, noção tão ambígua, controvertida e com frequência recusada, explicitamente ou não, por tantos psicanalistas.”
Para nos auxiliar na compreensão deste conceito-chave da obra lacaniana, o gozo, vejamos como este se relaciona com o princípio de prazer de Freud.
Fronteiras do prazer Pode-se dizer que o princípio de prazer funcionaria como uma espécie de limite ao gozo. De acordo com o princípio de prazer, o sujeito deveria “gozar apenas o possível”, para que não adviesse o desprazer. Sendo o conflito psíquico a base da teoria freudiana, e considerando- -se a impossibilidade de compatibilidade harmoniosa entre pulsão e cultura, o sujeito insistentemente almeja transgredir as proibições impostas ao seu gozo para ir “além do princípio de prazer”. Entretanto, o resultado desta transgressão ao princípio de prazer não é mais prazer, senão dor, pois o que é prazer por um lado, por outro é desprazer. Além deste limite, o prazer é acompanhado de dor, e este “prazer dolorido” é o que Lacan nomeou de gozo. Serge Cott et (1989, p. 21) coloca a questão da seguinte forma: “(...) há uma zona do prazer que é perigosa, essa zona que tende a ir para o gozo e que o princípio do prazer bloqueia”.

Psique

Raiva: a melhor emoção...



Raiva: a melhor emoção
Será que é possível afirmar que muitas das emoções que sentimos, ou nominamos, têm sua origem na mesma fórmula química endócrina? Serão os humanos escravos de hormônios e neurotransmissores?


                                       Imagens: Shutterstock e Arquivo Ciência e Vida
A história está repleta de personagens que transformaram adversidades em força transformadora. Charles Chaplin foi um deles: apesar da tragédia familiar, virou referência de pessoa positiva e bem-sucedida



Muito já foi dito sobre as emoções ao longo das eras e, com certeza, algumas definições têm sido nominadas como melhores e outras como piores. A palavra emoção deriva do latimmovere (pôr em movimento). Isso nos fala da sua natureza de colocar em movimento, de dentro para fora, comunicando ao mundo nossos estados de necessidades internas. Todas, então, seriam úteis e por isso foram mantidas no processo evolucionário humano. Lógico que algumas perderam sua função original e se adaptaram, como puderam, à nova realidade da civilização moderna. Afinal, não precisamos mais correr de leões ou matar animais para nossa alimentação. Mas o sistema de luta e fuga continua ativo.
O homem modernizou a sua estrutura social. No entanto, internamente, em seus processos somáticos, ainda é praticamente o mesmo do tempo das cavernas. Basicamente, estamos preparados para caçar e reproduzir; o resto foi se acumulando ao longo de milhares de anos e reflete-se no que somos hoje: criaturas com respostas emocionais às diversas situações nas quais, às vezes, certas manifestações não seriam necessárias, ou que surgem em dimensões desproporcionais à situação vivida. Caso duvide disso, pergunte a quem tem síndrome do pânico ou algum tipo de fobia.
Sempre buscamos diferenciar as emoções umas das outras e tentamos associá-las, relacionando as sensações orgânicas com a situação em que estamos envolvidos, fazendo uma ligação direta entre o fato, nossa interpretação dele e o que sentimos. Além das diversas interpretações diferentes que cada um de nós pode dar às situações semelhantes, ainda existe a intensidade da emoção, às vezes forte demais e, outras vezes, não percebidas adequadamente.

Sempre buscamos diferenciar as emoções uma das outras e tentamos associá-las, relacionando as sensações orgânicas com a situação em que estamos envolvidos

Imagens: Shutterstock e Arquivo Ciência e Vida
Nos animais, a manifestação de raiva foi observada em dois tipos de comportamentos: o ataque a outros animais, para obtenção de alimento, e a agressão afetiva, que serve para corte às fêmeas ou para demarcação de território
É fato que não sabemos nominar nossas emoções: estamos sempre confundindo o que sentimos. As emoções, na visão dos poetas, fazem de nós humanos, mas a realidade é que elas podem atrapalhar, e muito, aqueles que não conseguem detectar seus próprios estados emocionais.
No ano de 1924, Maranon, neurocientista francês (citado por Richard Restak em O Cérebro Humano, p.141), injetou adrenalina em 210 indivíduos, o que fez surgir sensações fisiológicas em todos eles. Quando o experimentador, de maneira indutiva, contava uma história qualquer com fundo emocional, fazia brotar no sujeito a emoção sugerida no texto. Graças ao efeito da adrenalina, a emoção surgia forte. Dessa maneira ele fez "aparecer" todas as nuances das emoções humanas apenas contando diferentes histórias. Essa experiência foi repetida na década de 1960, com algumas alterações de modelo operacional, mas com resultado similar, por Stanley Scharter e Jerome Singer.
Com a mesma base química, mas com interpretações pessoais diferentes das histórias contadas, o significado individual fez surgir emoções que mais se alinhavam com a perspectiva do indivíduo. Podemos inferir, então, que tecnicamente seriam as mesmas reações somáticas que originam as emoções; apenas os nomes dados pelos sujeitos que as vivenciavam eram diferentes, por conta de suas expectativas ou interpretações do contexto.

As emoções, na visão dos poetas, nos tornam humanos, mas a realidade é que elas podem interferir de modo negativo em nossas vidas



Psique

Mas cadê o príncipe que estava aqui??


           Mas cadê o príncipe que estava aqui??

       

        

  1. Sempre que nos deparamos com as grandes questões universais acerca da vida, um dos principais anseios humanos está centrado na busca da felicidade ou completude. Pensa-se, muitas vezes, que para ser feliz, é necessário ter alguém com quem compartilhar “a alegria, a tristeza, a saúde, a doença, até que a morte nos separe”. E que caso não se encontre essa pessoa “ideal”, estaríamos fadados ao fracasso. Ninguém deseja “ficar pra titia” ou ser o “velho babão”. Esses jargões mostram claramente o quanto a nossa cultura traz a mensagem de que estar só é uma coisa ruim.
  2.         Para entendermos melhor nossa atualidade, vamos voltar na época dos nossos avós. Neste período da história, o comum era a mulher dona de casa, cuidadora dos filhos e do esposo; e o homem, o provedor da família. A mulher não tinha o direito ao trabalho fora de casa, à voz e vez, ou de opinar sobre as decisões importantes da família. Esse poder estava destinado ao homem, detentor de todo o saber. Para um relacionamento, esse encaixe era ideal, já que um necessitava do outro para ser feliz. 
  3.         Com o surgimento da revolução industrial e sexual, como a pílula anticoncepcional, os eletrodomésticos (adoro a maquina de lavar!), televisão, internet, acesso fácil e ilimitado à informação e cultura, as mulheres saíram do papel de subjugada na relação amorosa e assumiram um papel mais ativo e transformador da própria cultura. E os homens, por sua vez, encontram-se divididos entre a admiração desta nova mulher e o desejo secreto de ter a mulherzinha de outrora, aquela que eles podiam controlar.  
  4.         A psicologia nos mostra que a gente aprende no decorrer da vida, com as pessoas de nosso convívio, o que desejar. Seja em matéria de relacionamento, profissão, amizade... Por isso as pessoas têm desejos diferentes e ao mesmo tempo parecidos, porque tivemos experiências diferentes, mas com pessoas de uma mesma cultura. Tanto a mulher quanto o homem, apesar de encontrarem-se inseridos nessa modernidade, ainda assim carregam muitos resquícios culturais herdados dos antepassados, já que foram criados por estes e aprenderam ainda, todos os valores e ideais do que é considerado bom ou ruim.
  5.         Agora vamos pensar nos nossos ideais de relacionamento. O que você deseja hoje foi sendo construído aos pouquinhos, desde as historias de contos de fadas que você ouviu quando pequena, o vivenciar do relacionamento dos seus pais, a sua própria história de vida, os filmes românticos, a narrativa daquela amiga que tem o amor perfeito. Tudo isso (e muito mais) influenciou direta ou indiretamente sua forma de pensar atual.
  6.         Geralmente o amor ideal vem permeado por uma fantasia cheia de predicados: “ele tem que ser bonito (não precisa ser um astro de hollywood); “tem que ser inteligente (pelo menos tem que saber que 2 + 2 são 4)”; “tem que ter um emprego estável (um presentinho sempre cai bem)”; E principalmente, tem que satisfazer meus desejos, de preferência adivinhá-los, ser romântico, atencioso, carinhoso, e todos os bons “osos” disponíveis no dicionário”.
  7.         Ok, então você já sabe o que é bom, e decide ir à luta. Se produz pra balada, os amigos te apresentam os amigos deles, você elabora um perfil genial em todos os sites de relacionamentos da web, fica de olho nos colegas de trabalho, academia, carteiro, padeiro, técnicos de informática, vizinhos, e abracadabra! Surge o Joãozinho. E ele te faz rir, te faz companhia, paga o jantar, não é tão bonito, nem tão rico, nem tão inteligente. PERAÍ! Alguma coisa não bateu! Cadê o João que eu estava esperando? Isso te lembra de alguma coisa?
  8.         Eis a grande questão. Na maior parte das vezes o João ideal é diferente do João real, às vezes pode até ser um Mário! E você tem um dilema “um Mário na mão é melhor que dois joãos voando?” ou “antes só do que “Mário” acompanhada?”.
  9.         Uma das maiores dificuldades nos relacionamentos, desde sempre, está justamente quando essa situação acontece. Como lidar com ela? até que ponto a gente consegue “deixar de lado” os ideais construídos ao longo da nossa vida para viver plenamente com a pessoa real? Que tem sim limitações, mas que também tem qualidades.   O sucesso de uma relação está muito ligado à capacidade de cada parte em ceder e se colocar no lugar do outro e também na habilidade de comunicação de cada um.
  10. Neste caso ceder está relacionado ao ato de ser flexível em relação aos nossos ideais e olhar com “bons olhos” o nosso parceiro real, às vezes a gente perde muito tempo se lamentando pelas qualidades que o outro não tem e esquecemos de ver as características boas da pessoa. Não estou dizendo para fechar os olhos ao que não te agrada, isso não ajuda em nada, o que ajuda é enxergar bem direitinho a realidade com toda sua amplitude, ninguém é feito só de defeitos ou coisas boas, e pra decidir o que é melhor pra nós precisamos ter os pés no chão.
  11. Se colocar no lugar do outro pode ser muito útil quando a gente está envolvido com alguém, pense bem, se você é do jeito que é porque aprendeu com a vida, seu parceiro também teve uma vida toda pra aprender antes de te conhecer. As experiências moldam pessoas diferentes, ter isso em mente colabora na hora da resolução dos conflitos. Mas preste atenção: se colocar no lugar do outro não significa aceitar tudo o que o outro faz!
  12. É nesse momento que precisamos lançar mão da nossa habilidade de comunicação, porque obviamente não existe o par perfeito, uma relação precisa ser construída e se a gente não se comunicar, vai ficar pulando de galho em galho para, lá no fim, ver que sempre falta alguma coisa.
  13. Já que ele e nem você têm uma bola de cristal para adivinhar o que tem na cabeça do outro, geralmente a gente faz pressupões a partir das próprias experiências, quer dizer: quando você julga o porquê de alguém fazer algo, você julga a partir do que VOCÊ faria se estivesse no lugar dela, entendeu? E isso dá uma infinidade argumentações possíveis que nem sempre estão certas, então para poupar o trabalho é mais fácil a gente dizer diretamente o que quer que o outro entenda (mas sem grosserias, hein?). Dar “indiretas” abre oportunidades para que o outro interprete do jeito que lhe convier. 
  14. Para acompanhar o que foi falado acima você vai precisar de uma boa dose de realidade, às vezes o que está na sua frente é ainda melhor do que você ficou fantasiando esse tempo todo! Como diria Ana Maria Braga “acorda menina”!
  15. Esse texto foi produzido em parceria com minha a amiga e também psicóloga Patricia Fiorin, quer dar uma olhada nos textos dela? clique aqui!Postado por Nachara Zen Costa