quarta-feira, 6 de março de 2013

Jaspers e a autonomia da Psicopatologia

Jaspers e a autonomia da Psicopatologia

Por José Mauricio de Lima



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Jaspers propõe analisar as manifestações psíquicas tendo como base elementos da Fenomenologia. com isso, torna a psicopatologia uma ciência autônoma, infuenciando a psicologia e a psiquiatria


Atribui-se a Karl Jaspers (1883-1969) a seguinte afirmação: “Os psiquiatras devem aprender a pensar”. Essa sentença revela de início o caráter crítico deste pensador, que irá fundar a Psicopatologia como disciplina fenomenológica. De formação científica na origem, Karl Jaspers chegou à Filosofia passando antes pela medicina, principalmente pela Psiquiatria. Nesse percurso, ampliou consideravelmente o seu campo de conhecimento tornando-se um humanista que busca as suas raízes nas fontes clássicas da cultura.
Jaspers se colocou contra a excessiva objetividade característica da Psiquiatria francesa, em contraposição à Psiquiatria alemã que se preocupava majoritariamente com articulações teóricas. Sua preocupação consistia em pensar a relação entre a Ciência e a Filosofia: “não só explicar a racionalidade científica pela reflexão filosófica, como, sobretudo, compreender, mediante tal esforço, o caráter específico do processo filosófico, com seu paradoxo fundamental: pensa-se em termos objetivo mesmo que não haja objeto.” A questão seria: “Como é que esse processo poderia provar objetivamente sua legitimidade?” Essa foi, também, uma das críticas que Edmundo Husserl (1859-1938) fez ao método empírico da Ciência tradicional para em seguida propor o método fenomenológico como o caminho “às coisas mesmas”, possibilitando uma fundamentação para as ciências. Isso porque, como será visto adiante, o fenomenólogo deve se libertar de teorias, pressuposições ou hipóteses explicativas. A apreensão do fenômeno deve ocorrer em primeira mão. Na pesquisa empírica, ao menos na maioria dos casos, quem vive a experiência não é o pesquisador, mas sim o sujeito da pesquisa.
É certo que Jaspers valorizava a Ciência por seu caráter pragmático. Para ele, a Ciência se ocupa exclusivamente de solucionar os problemas práticos do homem a fim de tornar sua vida mais fácil. Mas por causa dessa unilateralidade a Ciência não seria capaz de explicar a totalidade do real, faltando-lhe para tal a inter-relação dos vários ramos do saber humano. Ele afirma que há 25 séculos se filosofou e o resultado foi o surgimento de inumeráveis sistemas contraditórios. Embora o pensamento filosófico seja mais antigo do que a ciência positiva que conhecemos hoje, não há nem sequer um reduzido número de proposições sobre as quais os filósofos estejam de acordo.
No seu livro Psicopatologia Geral, com sua primeira edição publicada em 1913, onde se propõe a discutir intensamente as questões relativas à enfermidade psíquica, faz uma crítica conceitual sistemática da psicopatologia e propõe uma classificação “não dogmática”, baseada numa reflexão metodológica e numa contestação do paralelismo psicofisiológico. Seu objetivo é separar a compreensão estática da compreensão genética dos fatos psíquicos e de suas relações causais. Assim, descreve a Psicopatologia como uma disciplina voltada tanto para a explicação causal dos fenômenos quanto para a compreensão das vivências subjetivas.
Ao delimitar o campo de atuação da Psicopatologia Geral, Jaspers define a “Psiquiatria como profissão prática e Psicopatologia como Ciência”, sendo esta última responsável pelo estudo das manifestações da consciência, sejam essas manifestações consideradas normais ou anormais, asseverando que: “Aqui todo trabalho se relaciona com um caso particular. Não obstante, para satisfazer a exigência decorrente dos casos particulares, o psiquiatra lança mão, como Psicopatologista, de conceitos e princípios gerais (...)seus limites consistem em jamais poder reduzir o indivíduo humano a conceitos psicopatológicos.”(Jaspers)
TV GLOBO / JOÃO MIGUEL JUNIOR
Tarso, personagem de Caminhos das Índias, que sofre de esquizofrenia
PSICOPATOLOGIA: CONCEITO E APLICAÇÃO
Levado ao pé da letra, o termo Psicopatologia, que vem do grego, signifca “doença do espírito”. A Psicopatologia estuda os fenômenos anormais da mente e as manifestações de comportamentos e de experiências que podem indicar um estado psicológico anormal. ela procura estudar tais fenômenos exatamente como se apresentam à experiência imediata de quem os vive e, para isso, leva em conta os gestos, o comportamento e as expressões dos enfermos, além dos relatos e das autodescrições feitas por esses.
Para Jaspers, a Psicopatologia é vista como ciência pura, com fins atrelados exclusivamente ao conhecimento. Diferentemente da Psiquiatria, que é um ramo da medicina e tem entre seus objetivos diagnosticar, tratar e prevenir doenças mentais. em relação à Psiquiatgria, a Psicopatologia, na visão de Jaspers, teria como objetivo conhecer e descrever os fenômenos psíquicos patológicos para levantar as bases de sua compreensão.
ARQUIVO CIÊNCIA & VIDA
Vicent van Gogh
Ele fundamenta os estudos das patologias mentais na Fenomenologia (que propõe a descrição a partir das manifestações observáveis), procurando ter uma visão global do sujeito e do meio em que está inserido, em detrimento de outros tipos de análises mentais focadas nos sintomas patológicos.
São diversos os transtornos mentais existentes e as formas de classifcá-los. todos eles são alvo de investigação da Psicopatologia. nesta categoria estão, entre outros, a anorexia e a bulimia, a demência, os transtornos de personalidade, os transtornos de humor e a esquizofrenia.
A esquizofrenia, por exemplo, afeta as emoções, o pensamento, as percepções e o comportamento, provocando sintomas como alucinações, delírios e perda de contato com a realidade.
É o caso do personagem tarso, vivido por Bruno Gagliasso na novela Caminho das Índias, exibida pela rede globo. Durante as crises, ele ouve vozes e acredita estar sendo perseguido.
Muitas personalidades importantes para a ciência e a Arte sofreram deste mal. Na obra Gênio e Loucura (1922) – não traduzida para o Português –, Jaspers examina a autonomia das criações artísticas produzidas por quatro gênios diagnosticados como sendo esquizofrênicos: August Strindberg, Emanuel Swedenborg, Friedrich Hölderlin e Vicent Van Gogh. Van Gogh teve seu período mais produtivo nos últimos anos de vida, quando a doença estava mais grave.
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