domingo, 3 de março de 2013

Retrato da nova geração

Cinema

Retrato da nova geração

Gossip Girl é um seriado repleto de inversão de valores morais, de crueldade e perversão, disfarçados em moda, glamour, dinheiro e alta sociedade

Por Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps



Imagens: DivulgaçãoToda geração tem um seriado que representa sua juventude com maior fidedignidade. Desde Barrados no Baile até Dawson’s Creek, passando por temáticas grupais da adolescência, em que essa fase do desenvolvimento humano é mostrada com suas conflitivas típicas. Nada mais natural entender essa fase tão complexa do desenvolvimento humano.Com Gossip Girl não é diferente, mas o que chama atenção é sua temática central: perversão. O núcleo do seriado está em uma suposta “fofoqueira” que usa seu site, redes sociais e os serviços de telefonia celular (SMS) para espalhar intrigas e segredos, praticando anonimamente o que se chama hoje de ciberbullying.

A banalização de temas como mentira, traição, chantagem, desonestidade, entre outros, é constante; mesmo assim, a série já está no seu quinto ano de exibição, possuindo fãs de todas as idades.

TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE
Ao longo dos episódios acompanhamos a vida de um grupo de milionários de Manhattan, Nova York. A princípio são apenas mais um quarteto de riquinhos e mimados, mas com o desenrolar da trama é possível perceber a distorção de valores que se construiu nessa sociedade do consumo desenfreado. Esses exageros apresentados no seriado nos fazem questionar fatores importantes na formação de personalidade, tais como família, bom senso, respeito, individualidade e verdade, e até que ponto perdemos esses referenciais. O fundo dessa questão é o mundo adulto, partido, perdido, tão desorientado que não atua mais como um modelo possível. Se formos analisar, o mundo inteiro sem barreiras etárias vive de forma muito homogênea as questões do momento, e, como diria a psicanalista Maria Rita Kehl, a juventude obedece e sublinha (polariza e aumenta) os padrões de seus pais.

Se entendemos “personalidade” como aquilo que “somos”, que nos constitui, incluindo comportamentos, sentimentos, ações e maneiras como percebemos e lidamos com o outro, compreendemos que a formação dessa personalidade, ou estrutura, se dará ao longo dos anos. Um processo gradual, complexo e contínuo, que se inicia na infância e reafirma na adolescência, chegando à fase adulta como um padrão consistente de relação com o meio. Aqui entenderemos os papéis então que a família, religião, valores e educação teriam nessa equação.

"A BANALIZAÇÃO DE TEMAS COMO MENTIRA, TRAIÇÃO, CHANTAGEM, DESONESTIDADE, ENTRE OUTROS, É CONSTANTE; MESMO ASSIM, A SÉRIE JÁ ESTÁ NO SEU QUINTO ANO DE EXIBIÇÃO, POSSUINDO FÃS DE TODAS AS IDADES"

Imagens: Divulgação
O dinheiro e a fama são temas abordados na série, mostrando que ao estarem em evidência na vida dos personagens deixam uma lacuna de valores morais e éticos
Imagine então um cenário onde crianças muito ricas, sem qualquer parâmetro de valores, moral, sem cuidados ou figuras parentais presentes constroem suas personalidades patologicamente. Bingo.... temos um ambiente mais do que propício para o que chamamos de “transtornos de personalidade”.

PADRÃO DE COMPORTAMENTO
Nos primeiros anos do seriado temos esses jovens ainda em formação, e muito pode ser entendido como “fase” ou “passageiro”. Porém, ao adentrarem a faculdade e atingirem a maioridade percebemos que esse padrão dos nossos personagens se mantém, caracterizando como personalidades com prejuízo na adaptação e relação com o meio, causando sofrimento psíquico para eles e principalmente para aqueles que os cercam.

Estamos aqui falando especificamente do famoso quarteto de Upper East Side: Blair Wardolf, Serena van der Woodsen, Chucky Bass e Nate Archibald. A cada episódio é notável como a maneira que expressam suas emoções (afeto), o comportamento social, funcionamento interpessoal e suas percepções de si e dos outros está totalmente alterada e mal adaptada. Todos têm grande falha de caráter e são danosos a si mesmos e àqueles que os cercam. Talvez representem o que chamamos de Cluster B, ou Grupo B, dos transtornos de personalidade, classificados no DSM-IV-TR. São dramáticos, imprevisíveis e irregulares. Este é um dos grupos mais comuns nos consultórios e talvez o mais fácil de ser reconhecido, dada a complexidade e instabilidade que o nosso meio proporciona. Muito confundidos com “rebeldes”, são inconstantes, egoístas, dramáticos, sedutores, manipuladores, imprevisíveis e não sabem ouvir um “não” como resposta. De meninos e meninas mimados, tornaram-se adultos com falhas graves de caráter.
Imagens: Divulgação

Eduardo J. S. Honorato - Psicólogo e psicanalista. Denise Deschamps - Psicóloga e psicanalista. Autores do livro Cinematerapia: Entendendo conflitos. Participam de palestras, cursos e workshops em empresas e universidades sobre este tema. Coordenam o sitewww.cinematerapia.psc.br





"O FUNDO DESSA QUESTÃO É O MUNDO ADULTO, PARTIDO, PERDIDO, TÃO DESORIENTADO QUE NÃO ATUA MAIS COMO UM MODELO POSSÍVEL. O MUNDO SEM BARREIRAS ETÁRIAS VIVE DE FORMA MUITO HOMOGÊNEA AS QUESTÕES DO MOMENTO"

Para incrementar esse drama, algumas vítimas adentram a história. Rufus Humpfrey e seus dois filhos, Dan e Jenny, se mudam para a cidade. Dan é mais velho, portanto mais estável e menos influenciado por toda a tentação que o dinheiro atrai. Não podemos dizer o mesmo de Little Jenny, que está reafirmando sua personalidade e mesmo com sua base familiar sólida se deixa levar pelo nosso quarteto perverso.

http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/74/artigo250047-1.asp

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